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quinta-feira, 24 de julho de 2014

O adeus ao Mestre!



Um homem vale tanto quanto sua capacidade de despertar admiração pelo que diz e constroi. Ariano Suassuna é um desses. Nascido na elite, literalmente no Palácio do Governo da Paraíba, filho do Governador do Estado, João Suassuna, teve oportunidades efetivas de crescimento intelectual. Foi um intelectual: escritor, professor universitário – um dos criadores e das maiores referências do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco –, pesquisador da cultura "popular erudita" (quem lhe prestou atenção em suas palestras sabe do que estou falando), criador do Movimento Armorial – que reúne um raro conjunto de excelências artísticas pernambucanas.

E, no entanto, Ariano, a despeito da sólida formação intelectual, compreendia e registrava como poucos toda a sabedoria cotidiana do povo, fazia-se simples e conquistava plateias imensas e variadas. Escutavam-no, atentos e incansavelmente, doutores, mestres, alunos, jovens, idosos. Ele tinha o dom de prender a atenção do ouvinte, com sua voz rouca, ultimamente por vezes mesmo inaudível, com suas tiradas humorísticas e sacadas geniais; era um nunca acabar de gargalhadas!

Não era, entretanto, um humorista gratuito – desses que, às dezenas, juram que são engraçados, porque falseiam a voz e fazem mungangas, em chatos "stand-ups" –; conhecia como poucos o tempo do riso e a medida certa da descontração do público, para se fazer ouvinte de sua mensagem. E aqui está sua singuralidade: era, antes de tudo e qualquer coisa, um PROFESSOR. Sua fala não era um amontoado de baboseiras risíveis nem sua performance um sem-fim de macaquices gratuitas; continha conteúdo – fazia rir a forma como era colocada, mas provocava a reflexão de quem a ouvia.

Assumidamente conservador, intransigente em relação à defesa das suas ideias nacionalistas, não raro despertava ácidos comentários nos opositores, que o achavam radical além da conta (e aí me lembro do Prof. Lindolfo de Lisboa, que, ao ser também assim acusado, lembrava que "radical" é quem tem RAIZ, segurança, consistência...). Até concordo com esses comentários a Suassuna: sempre achei desnecessário, por exemplo, a sua implicância com Chico "Science", por causa do epíteto anglicano, como a render submissão ao imperialismo norteamericano. Mas, como não me render, às gargalhadas, à inusitada argumentação do velho professor, ainda que com ela não concordando de todo?

Como também me entristecia, por vezes, quando suas palestras tinham uma forte conotação de marketing político: achava-o, em sua genialidade, acima de partidos e sem necessidade de se fazer garoto-propaganda eleitoral de quem quer que fosse. Mas compreendia ser aquele o preço pelo espaço institucional que lhe garantiria a disseminação de sua arte e de seus ensinamentos, de forma mais ampla e sistematizada.

Num mês fatídico, em que perdemos tanta gente boa e de respeito, neste país, parece que o primeiro que saiu de cena deixou a porteira aberta, e vários outros foram seguindo; agora foi a vez de Ariano Suassuna – e mesmo sabendo-lhe mortal, enquanto ser humano, como qualquer outro, e suscetível à retirada da ribalta a qualquer momento (inclusive em função de ser quase um nonagenário), entristece-nos sobremaneira seu encantamento. Mas, querer a eternidade em vida de quem admiramos é o nosso maior erro, e o mais praticado... A morte, essa nefasta dama, "indesejada das gentes", a nos privar constantemente da agradável companhia de quem amamos, faz-se inflexível em sua ação, não poupando ninguém, nem mesmo quem com ela fez piada, como Ariano, em entrevista a Marcondes Moreno, no Brejo da Madre de Deus, em 2010: "EU NÃO PRETENDO MORRER, NÃO, PODE FICAR DESCANSADO!"


Por:  Professor. Edson Tavares

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